Ao longo de duas décadas, a artista visual Anauene Soares protagonizou ensaios fotográficos, clicados por outros fotógrafos, sob sua direção. Nesse processo, ela buscou dividir com os profissionais o que são representação e autorrepresentação pela própria mulher. Registrou momentos únicos e que se conectam às discussões sobre a imagem e a construção da subjetividade feminina na história da arte. Parte dessas imagens, de corpo inteiro e em fragmentos, integram a mostra “Melancolia: verdade é um nada que parece ser”. A exposição abre ao público em 02 de março, no Centro Cultural Marieta Rocha, em São Paulo, com entrada gratuita.

No papel de modelo, na direção artística ou na captura da própria imagem, Anauene apresenta sua perspectiva em relação ao corpo, revelando marcas e transformações em função de sua vivência no tempo. Ao dividir sua intimidade, a artista também traz à tona reflexões pertinentes à forma como as mulheres se veem e são vistas. Buscando assim uma inversão de representações: onde antes havia uma visão masculina ocidental do corpo da mulher, hoje é a própria mulher que se apresenta ao mundo e a si mesma.

“A influência do patriarcado na construção da subjetividade, visão e representação das mulheres nas produções artísticas sempre existiu e, claro, fui impactada por ela”, observa Anauene. “Na exposição, o foco está especialmente em transformações vividas por nós mulheres e que têm permitido uma nova forma de compreensão sobre nós mesmas, como o corpo, o prazer e a nossa imagem”, conclui.

Embora tivesse consciência dos múltiplos significados e interpretações possíveis a partir do registro de seu corpo, o propósito de Anauene era outro. “Queria aprimorar os conhecimentos do meu processo artístico de fazer arte para além das perspectivas, insaturações, preenchimentos do vazio e gradações do cinza”, recorda.

O processo de curadoria

Anauene selecionou cerca de 40 imagens para a exposição “Melancolia: verdade é um nada que parece ser”. Parte são de sua autoria e outras foram criadas em coautoria com os fotógrafos Diogo de Carvalho, Márcio Yonamine, e Marcos Blau. A primeira fotografia tirada da artista nesse processo foi feita por Marco Buti – artista e professor de desenho e gravura da USP – ainda durante a sua graduação em Artes Visuais, em 2003.

Para exposição, em meio a tantas possibilidades, a artista optou por fotos capazes de dialogar com temáticas que perpassam a representação do corpo da mulher, a partir da sua própria trajetória. Os retratos e autorretratos revelam situações diversas, como o tratamento de um problema de saúde e um dia comum na frente do espelho.

A diversidade também é presente na linguagem e no formato das fotografias. Algumas são pretas e brancas, outras coloridas. Há foco nos detalhes de uma tatuagem e planos abertos, em que Anauene aparece nua, sentada nas rochas, próxima ao mar.

Além das fotografias, a exposição também apresenta um vídeo e um livro da artista feito em uma matriz de metal para gravura, conhecida como água forte, contendo o conto “A Prova”, de Franz Kafka. Esta é a primeira obra realizada por ela com um artista homem e que buscou entender a representação da mulher na arte pelo olhar feminino.

Modelo vivo

Durante o período expositivo de “Melancolia: verdade é um nada que parece ser”, o público vai conferir uma série de performances, bate-papo e outras atividades relacionadas ao tema da exposição e ao fazer artístico. Na abertura, Anauene atuará como modelo vivo para desenhistas, inscritos previamente.

No decorrer da mostra, aos sábados (serão 4), haverá mesas de debate sobre a representação de mulheres artistas na contemporaneidade, com a participação de convidadas como Erika Muniz, maestrina do Coro infantil da Orquestra Sinfônica de São Paulo (OSESP), Marília Nogueira, do Cabíria Festival Audiovisual, além de mulheres artistas da própria comunidade do Bixiga, como as da Escola de Samba Vai-Vai.

Na programação também estão previstas a performance “Grito de mulher”, da diretora, atriz e pesquisadora, Ester Laccava, e de Louise Hélene, artista visual que utiliza o corpo como um quadro para pinturas e escritas.

Artista, advogada, ativista

Anauene começou a pintar quando ainda era criança e esse interesse a conduziu para a formação em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo (USP). Depois, enveredou no Direito, para complementar a sua atuação na proteção do patrimônio cultural, sempre atuando no setor cultural.

Foi consultora da UNESCO para o Ministério da Cultura sobre o combate ao tráfico ilícito de bens culturais. Também atuou junto ao Conselho Internacional de Museus (ICOM) como coordenadora técnica da Red List brasileira. Doutoranda em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UNB), Anauene segue como advogada em Direitos Culturais, perita de obras de arte e artista – fotógrafa e gravurista -. Em parceria com a cientista política e pesquisadora, Ananda Marques, iniciou em 2023 o Coletivo Sirena.

“Depois de muitas conversas sobre os direitos das mulheres e o compartilhamento responsável de informações, resolvemos iniciar o coletivo”, conta Anauene. “Nosso diferencial está no uso da arte para compartilhar o conhecimento produzido por mulheres. A proposta é contar histórias reais, por meio de diferentes expressões artísticas, como filmes ou histórias em quadrinhos”.

O Coletivo Sirena reúne 15 mulheres de diferentes lugares do país, entre elas artistas, advogadas, cientistas políticas e psicólogas. Ester Laccava e Louise Hélene que realizarão performances na exposição são exemplos. Mais informações sobre a iniciativa e como participar estão no site https://www.coletivosirena.org.

SERVIÇO

“Melancolia: verdade é um nada que parece ser”

Período: de 02 de março a 06 de abril

Horário: quarta a sexta-feira, das 10h às 18h, sábados, das 10h às 14h

Local: Marieta Rocha

Endereço: Rua Rocha, 274 – Bixiga, SP

Entrada gratuita.